A Natureza só precisa de espaço para ser. Mais nada. Em tudo o resto, ela basta-se. Quando há espaço, a semente nasce, o fruto cresce, e tudo flui, no seu devido lugar. Exatamente como deve ser.
Há um lugar chamado “Matinha”, onde esse espaço existe com questão de ser preservado. A única imposição é a que a mãe Natureza ordena. Como primeira dona de casa, ela manda no pedaço. Chama o verão para aquecer a primavera, e deixa cair uma manta de folhas quando o frio se abate sobre a Terra. Cada coisa se passa a seu próprio tempo, precisamente por haver espaço para tudo.
Uma árvore precisa de se ver livre de entraves, para poder espreguiçar os ramos. A erva só calça o chão se não for pisada. As flores só brotam onde lhes dão tempo, sem que lhe seja deitada a mão. As formigas seguem-se em carreira, se nada nem ninguém se meter a meio caminho. Os passarinhos aconchegam-se no ninho, quando não lhes cortam o tronco pela raíz. As rãs só grasnam no lago, se a chuva não o secar. O piar da coruja soa de noite, porque a Lua põe fim ao dia, tal como o galo só canta depois, porque o sol insiste em acordar de novo. E nós, só nos mantemos pessoas, porque tudo o resto assim o é.
Há 26 anos, quando os pés do Alfredo, da Mónica e do Vicente, pisaram esta terra pela primeira vez, toda ela era aridez e secura. Feia de raiz, e sem qualquer tipo de potencial a florescer à vista, o vale da Matinha aparentava-se um caso perdido. Mas foi com este completo desarranjo que esta terra fez o Alfredo fincar o pé, depois de conhecer na Herdade um amor à primeira vista.
Como bom pai de família, o Alfredo deu à sua mulher um “filho” e ao seu filho um mundo. Passou a perna por cima dos que o chamavam de “louco”, e avançou para comprar o terreno com toda a confiança que é precisa para ter fé naquilo que não se vê.
Foi mesmo assim, neste estado de erosão inóspita, que nasceu o projeto da Herdade da Matinha. O bonito veio com o tempo, nascido no seio do sonho de uma família, e criado por todas as mãos que vieram para ajudar.
Hoje, os pés do Vicente calçam uns bons números acima, o Alfredo e a Mónica deram-lhe mais dois irmãos, a terra semeou milhares de árvores, as flores são muito mais que as mães, e uma enciclopédia de espécies veio para habitar.
O tempo passou, mas há coisas que nunca mudaram: Se prestarem atenção, conseguem encontrar os pés do Alfredo, a andar por aí, de um lado para o outro, por todo o lado. Sem se impôr, desperto a tudo. Ele só vê, com olhos de sentir, sabendo que é prestando atenção à natureza, que acaba por saber, naturalmente, o que ela precisa.
Então, foi há precisamente 26 anos que a vida se criou neste universo alentejano, porque estas três almas chegaram e vieram para acreditar. E nunca, em nenhum dos dias desde esse que foi o primeiro, que algum deles quis fazer outra coisa que descarrilasse do caminho pelo qual a própria Terra os levava.
É pela mesma ordem que todos os que passam, respeitam as regras da casa. É ainda com o mesmo ideal, jamais gasto apesar de tanto já ter sido sonhado, que o pai desta família, continua a cuidar do espaço com o mesmo zelo com que criou cada um dos seus três filhos. Com a noção de que nada é seu, mas que está nas suas mãos garantir que em cada recanto mais pequenino, se segura um potencial imenso de dar vida a este ecossistema.


